Salman Rushdie é escritor, ganhador do prêmio nobel de literatura, e agora companheiro de Twitter. Na verdade não sou um adepto do Twitter, mas pretendo voltar a acompanhar a timeline dos 140 caracteres para poder seguir Rushdie e sua mini novela, entre alguns outros autores.
Lembro-me de ter lido vários contos seus durante a minha graduação (especificamente “East, West”, de 1994), mas pra mim definitivamente o seu texto mais marcante foi “Os versos satânicos”, uma viagem fantástica no sub-mundo dos imigrantes indianos na Inglaterra, a transformação do protagonista em Bode e suas aventuras cinematográficas em Mumbai na índia, atravessada por uma completa ficcionalização de imagens sagradas do Islã, o que acabou lhe rendendo uma pena de morte por diversos países muçulmanos e o fatwā contra ele pelo Ayatollah Ruhollah Khomeini, lider supremo do Irã, em 14 de fevereiro de 1989. O episódio levou o Reino Unido a romper relações diplomáticas com o Irã.
Como membro da diáspora indiana (ele nasceu em Mumbai, mas seus pais se mudaram para Londres quando ele era criança), Rushdie teve oportunidade de capturar com muita sensibilidade as sutilezas da vida dos imigrantes e reler seus valores frente aos novos costumes europeus que ao longo da infância foi adquirindo.
Mas sua timeline (“timeline” é a sequência de mensagens no Twitter) não traz somente sua narrativa ficcional. Rushdie conversa com seus seguidores e tece comentários memoráveis sobre literatura, política, cultura. Imagine você lançar uma perguntinha despretensiosa: “tenho que admitir; estou garrada no capítulo O Grande Inquisidor dos Irmãos Karamázov (clássico do Dostoiévski), alguém pode me explicar do que se trata em 140 caracteres?”, e ouvir, como aconteceu com uma de suas seguidoras, de volta uma resposta de Rushdie: “The Inquisitor condemns Christ for giving men too much freedom, admits that the Church follows the Devil. Does that help?”
São frequentes também comentários sobre teoria literária e literatura em geral. Trata-se, claro, de conversas rápidas e espontâneas. Segue um pequeno trecho que recortei de uma troca de ideias com alguns seguidores sobre o realismo na literatura fantástica:
SalmanRushdie: When people say “magic realism”,they usually mean just “magic.” But the “realism” part is just as important. (Ans. to question at #Oberlin.)
musuraki: @SalmanRushdie as a poor reader speaking, when it comes to you i rather delete ‘realism’ at all..:)
SalmanRushdie: @musuraki If you think there’s no realism in my work then I’m sorry to say that yes, you are a poor reader of it.
musuraki: @SalmanRushdie then, unfortunately for you, i’ve written almost all of your books’ reviews in my country, also the prefaces on your books:)
SalmanRushdie: @musuraki Then I invite you to think again about this work.
mithunk: @SalmanRushdie I’ll ask anyway. Is magic realism used as a convenient tool by writers to keep the humdrum or stark nature of reality at bay?
SalmanRushdie: @mithunk No.
mithunk: @SalmanRushdie I hope you didn’t take offence to my ‘convenient tool’ question, it was an earnest one, not a snarky troll question.
SalmanRushdie: @mithunk All valuable literary methods are ways of revealing, amplifying, intensifying reality, not escaping from it.
SalmanRushdie: @Holly9907 My earlier tweet, stressing the “realism” part of the term “magical realism,” was intended to rebut exactly this view.
Este é o estranho, efêmero e fragmentado mundo do Twitter se mesclando com o estável e tradicional mundo da literatura. De certa forma desconstrói um longo processo histórico de mistificação dos grandes autores. Os mais irônicos dirão: “que nada, bobagem, aposto que não é ele que escreve”… Os ainda mais sarcásticos o acusarão de jogada de marketing ou tentativa de alavancar as vendas do seu último romance. No fim das contas, o meu lado romântico quer acreditar que ele está lá por curiosidade, vontade de se aproximar dos leitores e fazer parte da própria dinâmica de um mundo em que as formas de encontro e afeto ganharam outros contornos.